Islamismo é uma religião abraâmica monoteísta centrada no Alcorão e nos ensinamentos de Maomé. Seus crentes são chamados muçulmanos e totalizam aproximadamente 1,9 bilhão* de pessoas em todo o mundo, o que faz deles a segunda maior população religiosa do mundo depois dos cristãos.
Os muçulmanos acreditam que o islamismo é a versão completa e universal de uma fé primordial que foi revelada muitas vezes por meio de profetas anteriores, como Adão (que se acredita ser o primeiro homem), Abraão, Moisés e Jesus, entre outros; essas revelações anteriores são atribuídas ao judaísmo e ao cristianismo, que são considerados no islamismo como religiões predecessoras espirituais. Os muçulmanos consideram o Alcorão a palavra literal de Deus e a revelação final inalterada. Juntamente com o Alcorão, os muçulmanos também acreditam nas revelações anteriores, como o Tawrat (Torá), o Zabur (Salmos) e o Injil (Evangelho). Eles também consideram Maomé como o principal e último profeta islâmico, por meio de quem a religião foi completada. Os ensinamentos e exemplos normativos de Maomé, chamados de suna, documentados em relatos chamados de hádice, fornecem um modelo constitucional para os muçulmanos. O islamismo ensina que Deus (Alá) é único e incomparável. Afirma que haverá um "Julgamento Final" em que os justos serão recompensados no paraíso (Jannah) e os injustos serão punidos no inferno (Jahannam). Os Cinco Pilares - considerados atos obrigatórios de adoração - compreendem o juramento e credo islâmico (shahada); orações diárias (salah); esmola (zakat); jejum (sawm) no mês do Ramadã; e uma peregrinação (haje) a Meca. A lei islâmica, a xaria, abrange praticamente todos os aspectos da vida, desde bancos, finanças e bem-estar até os papéis masculinos e femininos e o meio ambiente. Festivais religiosos proeminentes incluem o Eid al-Fitr e o Eid al-Adha. Os três locais mais sagrados do islamismo em ordem decrescente são Masjid al-Haram em Meca, Al-Masjid an-Nabawi em Medina e a Mesquita Al-Aqsa em Jerusalém.
O Islã, em sua forma atual e final, originou-se no século VII em Meca. O domínio muçulmano expandiu-se para fora da Arábia sob o Califado Ortodoxo e o subsequente Califado Omíada governou da Península Ibérica ao Vale do Indo. Na Era de Ouro Islâmica, principalmente durante o reinado do Califado Abássida, grande parte do mundo muçulmano passou por um florescimento científico, econômico e cultural. A expansão do mundo muçulmano envolveu vários Estados e califados, bem como um extenso comércio e conversão religiosa como resultado das atividades missionárias islâmicas (dawa) e por meio de conquistas.
Existem duas grandes denominações islâmicas: sunismo (85–90%) e xiismo (10–15%). Enquanto as diferenças entre sunitas e xiitas surgiram inicialmente de divergências sobre a sucessão de Maomé, elas cresceram para cobrir uma dimensão mais ampla, tanto teológica quanto jurídica. Os muçulmanos constituem a maioria da população em 49 países do planeta. Aproximadamente 12% dos muçulmanos do mundo vivem na Indonésia, o país de maioria muçulmana mais populoso; 31% vivem no sul da Ásia; 20% vivem no Oriente Médio–Norte da África; e 15% vivem na África subsaariana. Comunidades muçulmanas consideráveis também estão presentes nas Américas, China e Europa. Devido em grande parte a uma taxa de fertilidade mais alta, o islamismo é o principal grupo religioso que mais cresce no mundo e, se as tendências atuais se mantiverem, ultrapassará ligeiramente o cristianismo como a maior religião do mundo até o final do século XXI.
De acordo com a tradição islâmica, Maomé nasceu em Meca no ano 570 e ficou órfão ainda jovem. Crescendo como um comerciante, ele se tornou conhecido como o "de confiança" (em árabe: الامين) e foi procurado como árbitro imparcial. Mais tarde, ele se casou com sua empregadora, a empresária Cadija. No ano 610, perturbado pelo declínio moral e pela idolatria predominantes na cidade de Meca e buscando reclusão e contemplação espiritual, Maomé retirou-se para a Caverna de Hira, na montanha Jabal al-Nour, próxima de Meca. Foi durante seu tempo na caverna que ele teria recebido a primeira revelação do Alcorão do anjo Gabriel. O evento da retirada de Maomé para a caverna e a subsequente revelação é conhecido como a "Noite do Poder" (Laylat al-Qadr) e é considerado um evento significativo na história islâmica. Durante os 22 anos seguintes de sua vida, a partir dos 40 anos, Maomé continuou a receber revelações de Deus, tornando-se o último dos profetas enviados à humanidade por Deus.
Durante este tempo, enquanto estava em Meca, Maomé pregou primeiro em segredo e depois publicamente, implorando aos seus ouvintes que abandonassem o politeísmo e adorassem um Deus. Muitos dos primeiros convertidos ao islamismo eram mulheres, pobres, estrangeiros e escravos como o primeiro muezim Bilal ibne Rabá. A elite de Meca sentiu que Maomé estava a desestabilizar a sua ordem social ao pregar sobre um Deus único e ao incentivar os pobres e os escravos a questionar os lucros obtidos pelas peregrinações aos ídolos da Caaba.
Após 12 anos de perseguição aos muçulmanos pelos habitantes de Meca, Maomé e seus companheiros realizaram a Hégira ("emigração") em 622 para a cidade de Yathrib (atual Medina). Ali, com os convertidos de Medina (os Ansar) e os migrantes de Meca (os muhajirun), Maomé estabeleceu em Medinaa sua autoridade política e religiosa. A Constituição de Medina foi assinada por todas as tribos locais e estabeleceu liberdades religiosas e autonomia para utilizar suas próprias leis entre as comunidades muçulmanas e não muçulmanas, bem como um acordo para defender Medina de ameaças externas. As forças de Meca e seus aliados perderam contra os muçulmanos na Batalha de Badr em 624 e depois travaram uma batalha inconclusiva na Batalha de Uude antes de sitiar Medina sem sucesso na Batalha da Trincheira (março-abril de 627). No ano 628, o Tratado de Hudaibia foi assinado entre Meca e os muçulmanos, mas foi quebrado por Meca dois anos depois. À medida que mais tribos se convertiam ao Islã, as rotas comerciais de Meca começaram a ser cortadas pelos muçulmanos. Em 629, Maomé foi vitorioso na conquista quase sem derramamento de sangue de Meca e, no período da sua morte, no ano 632 (aos 62 anos), ele tinha unido as tribos da Arábia num único sistema religioso.
Período islâmico inicial (632-750)
Maomé morreu em 632 e os primeiros sucessores, chamados califas – Abacar, Omar, Otomão, Ali e por vezes Haçane ibne Ali – são conhecidos no islamismo sunita como al-khulafā' ar-rāshidūn ("califas bem guiados"). Algumas tribos abandonaram o islamismo e rebelaram-se sob líderes que se declararam novos profetas mas foram esmagados por Abacar nas Guerras Rida. As populações nativas locais de judeus e cristãos, perseguidos como minorias religiosas e hereges e fortemente tributados, muitas vezes ajudaram os muçulmanos a assumir o controle de suas terras, resultando na rápida expansão do califado nos Impérios Sassânida e Bizantino. Otomão foi eleito em 644 e seu assassinato por rebeldes levou Ali a ser eleito o próximo califa. Na Primeira Guerra Civil, a viúva de Maomé, Aixa, levantou um exército contra Ali, tentando vingar a morte de Otomão, mas foi derrotada na Batalha do Camelo. Ali tentou destituir o governador da Síria, Moáuia I, que era visto como corrupto. Moáuia então declarou guerra a Ali e foi derrotado na Batalha de Sifim. A decisão de Ali de arbitrar irritou os carijitas, uma seita extremista, que sentiram que, por não lutar contra um pecador, Ali também se tornou um pecador. Os carijitas se rebelaram e foram derrotados na Batalha de Naravã, mas um assassino carijita mais tarde conseguiu matar Ali. O filho de Ali, Haçane ibne Ali, foi eleito califa e assinou um tratado de paz para evitar mais combates, abdicando em favor de Moáuia com a contrapartida que ele não nomeasse um sucessor.
Moáuia iniciou a dinastia omíada com a nomeação de seu filho Iázide I como sucessor, desencadeando a Segunda Guerra Civil. Durante a Batalha de Carbala, Huceine ibne Ali foi morto pelas forças de Iázide; desde então o evento tem sido comemorado anualmente pelos xiitas. Os sunitas, liderados por Abedalá ibne Zobair e contrários a um califado dinástico, foram derrotados no cerco de Meca. Essas disputas sobre liderança dariam origem ao cisma sunita-xiita, sendo que os xiitas acreditando que a liderança pertence à família de Maomé por meio de Ali, chamada de ahl al-bayt. A liderança de Abacar supervisionou o início da compilação do Alcorão. O califa Omar II criou o comitê, Os Sete Fuqaha de Medina, e Malique ibne Anas escreveu um dos primeiros livros sobre jurisprudência islâmica, o Muwatta, como um consenso da opinião daqueles juristas. Os carijitas acreditavam que não havia meio termo entre o bem e o mal e qualquer muçulmano que cometesse um pecado grave se tornaria um infiel. O termo "carijitas" também seria usado para se referir a grupos posteriores como o Estado Islâmico do Iraque e do Levante. O murjismo ensinou que a retidão das pessoas poderia ser julgada somente por Deus. Portanto, os transgressores podem ser considerados equivocados, mas não denunciados como incrédulos. Esta atitude passou a prevalecer nas principais crenças islâmicas.
A dinastia omíada conquistou o Magrebe, a Península Ibérica, a Gália Narbonense e o Sinde. Os omíadas lutaram contra a falta de legitimidade e dependiam de militares fortemente patrocinados. Como o imposto jizia era um imposto pago por não-muçulmanos que os isentava do serviço militar, os omíadas negaram o reconhecimento da conversão de não árabes, pois reduzia as receitas. Embora o Califado Ortodoxo enfatizasse a austeridade, com Omar até exigindo um inventário dos bens de cada oficial, o luxo omíada gerou insatisfação entre os piedosos. Os carijitas lideraram a Revolta Berbere, levando aos primeiros Estados muçulmanos independentes do califado. Na Revolução Abássida, convertidos não árabes (maulas), clãs árabes afastados pelo clã omíada e alguns xiitas se reuniram e derrubaram os omíadas, inaugurando a dinastia abássida mais cosmopolita em 750.
Era clássica (750-1258)
Axafii codificou um método para determinar a confiabilidade dos hádices (ou hadith). Durante o início da era do Império Abássida, estudiosos como Albucari e Muslim ibne Alhajaje compilaram as principais coleções de hádices sunitas, enquanto estudiosos como Alculaini e ibne Babauai compilaram as principais coleções de hádices xiitas. As quatro Madhhab sunitas (hanafismo, hambalismo, maliquismo e xafeísmo) foram estabelecidas em torno dos ensinamentos de Abu Hanifa, Amade ibne Hambal, Malique ibne Anas e Axafi. Em contraste, os ensinamentos de Jafar Alçadique formaram a jurisprudência do jafarismo. No século IX, Tabari completou o primeiro comentário do Alcorão, que se tornou um dos comentários mais citados no islamismo sunita, o Tafsir al-Tabari. Alguns muçulmanos começaram a questionar a piedade da indulgência na vida mundana e enfatizaram a pobreza, a humildade e a evitação do pecado com base na renúncia aos desejos corporais. Ascetas como Haçane Albasri inspirariam um movimento que evoluiria para o tasawwuf ou sufismo.
Nessa época, os problemas teológicos, notadamente sobre o livre-arbítrio, foram abordados com destaque, com Haçane Albasri afirmando que, embora Deus conheça as ações das pessoas, o bem e o mal vêm do abuso do livre-arbítrio e do diabo. A filosofia racionalista grega influenciou uma escola especulativa de pensamento conhecida como mutazilita, que defendeu a famosa noção de livre-arbítrio, originada pela primeira vez por Uacil ibne Ata.[124] Califas como Almamune e Almotácime fizeram disso um credo oficial e tentaram, sem sucesso, impor sua posição à maioria. Eles realizaram inquisições com o tradicionalista Amade ibne Hambal, recusando-se notavelmente a se conformar com a ideia mutazilita de que o Alcorão foi criado em vez de ser eterno e foi torturado e mantido em uma cela de prisão sem iluminação por quase trinta meses. No entanto, outras escolas de teologia especulativa - maturidismo fundada por Abu Mançor Almaturidi e alaxarismo fundada por Alboácem Alaxari - tiveram mais sucesso em serem amplamente adotadas. Filósofos como Alfarábi, Avicena e Averróis procuraram harmonizar as ideias de Aristóteles com os ensinamentos do Islã, semelhante ao escolasticismo posterior dentro do cristianismo na Europa e o trabalho de Maimônides dentro do judaísmo, enquanto outros como Algazali argumentaram contra tal sincretismo e finalmente prevaleceram.
Este período às vezes é chamado de "Era de Ouro Islâmica". As realizações científicas islâmicas abrangeram uma ampla gama de áreas, especialmente medicina, matemática, astronomia, agricultura, bem como física, economia, engenharia e óptica. Avicena foi um pioneiro na medicina experimental, e sua obra O Cânone da Medicina foi usada como um texto medicinal padrão no mundo islâmico e na Europa durante séculos. Rasis foi o primeiro a distinguir as doenças varíola e sarampo. Os hospitais públicos da época emitiram os primeiros diplomas médicos para licenciar médicos. Alhazém é considerado o pai do método científico moderno e muitas vezes referido como o "primeiro verdadeiro cientista do mundo", em particular no que diz respeito ao seu trabalho em óptica. Na engenharia, o flautista autômato dos irmãos Banu Muça é considerado a primeira máquina programável. Na matemática, o conceito do algoritmo é nomeado em homenagem a Alcuarismi, que é considerado um dos fundadores da álgebra, que recebeu o nome de seu livro al-jabr (Livro da Restauração e do Balanceamento), enquanto outros desenvolveram o conceito de função matemática. O governo pagava aos cientistas o salário equivalente ao de atletas profissionais de hoje. O Guinness World Records reconhece a Universidade al Quaraouiyine, fundada em 859, como a universidade mais antiga do mundo que concede diplomas. Muitos não-muçulmanos, como cristãos, judeus e sabeus, contribuíram para a civilização islâmica em vários campos, e a instituição conhecida como Casa da Sabedoria empregou estudiosos cristãos e persas para traduzir obras em árabe e desenvolver novos conhecimentos.
Soldados romperam com o Império Abássida e estabeleceram suas próprias dinastias, como a dos tulúnidas em 868 no Egito e dos gasnévidas em 977 na Ásia Central. Nessa fragmentação surgiu o Século Xiita, aproximadamente entre 945 e 1055, que viu o surgimento do movimento missionário milenarista conhecido como ismaelismo. Um grupo ismaelita, a dinastia fatímida, assumiu o controle do norte da África no século X e outro grupo ismaelita, os carmatas, saquearam Meca e roubaram a Pedra Negra, uma rocha colocada dentro da Caaba, durante a sua rebelião fracassada. Ainda outro grupo ismaelita, a dinastia buída, conquistou Bagdá e transformou os abássidas em uma monarquia figurativa. A dinastia sunita dos seljúcidas fez campanha para reafirmar o islamismo sunita promulgando a opinião acadêmica da época, notadamente com a construção de instituições educacionais conhecidas como Nezamiyeh, associadas a Algazali e Saadi de Xiraz.
A expansão do mundo muçulmano continuou com missões religiosas convertendo a Bulgária do Volga ao Islã. O Sultanato de Déli atingiu profundamente o subcontinente indiano e muitos se converteram ao Islã, em particular os hindus de casta inferior, conhecidos como dálites, cujos descendentes constituem a grande maioria dos muçulmanos indianos. O comércio trouxe muitos muçulmanos para a China e eles praticamente dominaram a indústria de importação e exportação da dinastia Song e os muçulmanos foram recrutados como uma classe minoritária governante na dinastia Yuan.
Era pré-moderna (1258-século XVIII)
Por meio das redes comerciais muçulmanas e da atividade das ordens sufistas, o islamismo se espalhou para novas áreas e os muçulmanos foram assimilados a novas culturas. Sob o Império Otomano, o islamismo se espalhou para o sudeste da Europa. A conversão ao islamismo muitas vezes envolvia um grau de sincretismo, como ilustrado pela aparição de Maomé no folclore hindu. Os povos turcos muçulmanos incorporaram elementos das crenças do xamanismo turco ao Islã. Muçulmanos na China da Dinastia Ming que eram descendentes de imigrantes anteriores foram assimilados, às vezes por meio de leis que determinavam a assimilação, adotando nomes e cultura chineses, sendo que a cidade de Nanquim se tornou um importante centro de estudo islâmico.
Mudanças culturais foram evidentes com a diminuição da influência árabe após a destruição do Califado Abássida pelos mongóis. Os canatos mongóis muçulmanos no Irã e na Ásia Central se beneficiaram do aumento do acesso intercultural ao leste da Ásia sob o domínio mongol e, portanto, floresceram e se desenvolveram de forma mais distinta da influência árabe, como o Renascimento Timúrida sob a Dinastia Timúrida. Naceradim de Tus (1201–1274) propôs o modelo matemático que mais tarde foi adotado por Copérnico sem revisão em seu modelo heliocêntrico e a estimativa de Pi de Alcaxi não seria superada por 180 anos.
A introdução de armas de pólvora levou ao surgimento de grandes Estados centralizados e os impérios muçulmanos consolidaram grande parte dos territórios anteriormente fragmentados. O califado foi reivindicado pela dinastia otomana do Império Otomano desde a conquista de Edirna por Murade I em 1362, e suas reivindicações foram fortalecidas em 1517 quando Selim I se tornou o governante de Meca e Medina. A dinastia xiita safávida subiu ao poder em 1501 e mais tarde conquistou todo o Irã. No sul da Ásia, Babur fundou o Império Mogol.
A religião dos Estados centralizados dos impérios da pólvora influenciou a prática religiosa de suas populações constituintes. Uma simbiose entre os governantes otomanos e o sufismo influenciou fortemente o reinado islâmico dos otomanos desde o início. As ordens mevlevi e bektashis tinham uma relação próxima com os sultões, como abordagens místicas e sufistas, bem como heterodoxas e sincréticas do islamismo. A muitas vezes forçada conversão safávida do Irã para o islamismo xiita garantiu o domínio final do xiismo duodecimano na região. Os migrantes persas para o sul da Ásia, como burocratas influentes e proprietários de terras, ajudam a espalhar o islamismo xiita, formando algumas das maiores populações xiitas fora do Irã. Nader Xá, que derrubou os safávidas, tentou melhorar as relações com os sunitas propagando a integração do xiismo duodecimano ao islamismo sunita como um quinto madhhab, chamado jafarismo, que falhou em obter o reconhecimento dos otomanos.
Era moderna (séculos XVIII a XX)
No início do século XIV, ibne Taimia promoveu uma forma puritana do Islã, rejeitando abordagens filosóficas em favor de uma teologia mais simples e pediu para abrir os portões da itjihad ao invés da imitação cega de estudiosos. Ele convocou uma jihad contra aqueles que considerava hereges, mas seus escritos tiveram apenas um papel marginal durante sua vida. Durante o século XVIII na Arábia, Maomé ibne Abdal Uaabe, influenciado pelas obras de ibne Taimia e Ibn al-Qayyim, fundou um movimento, chamado uaabismo com sua autodesignação como muwahiddun, para retornar ao que ele via como um islamismo "puro". Ele condenava muitos costumes islâmicos locais, como visitar o túmulo de Maomé ou de homens santos, como inovações posteriores e pecaminosas, o que o fez destruir rochas e árvores sagradas, santuários sufistas, as tumbas de Maomé e seus companheiros e a tumba de Hussein em Carbala, um importante local de peregrinação xiita. Ele formou uma aliança com a família Saud, que, na década de 1920, completou a conquista da área que se tornaria a Arábia Saudita.
Ma Wanfu e Ma Debao promoveram movimentos salafitas no século XIX, como o sailaifengye na China, após retornarem de Meca, mas acabaram sendo perseguidos e forçados a se esconder por grupos sufistas. Outros grupos buscaram reformar o sufismo em vez de rejeitá-lo, com os senussis e Maomé Amade travando guerras e estabelecendo Estados na Líbia e no Sudão, respectivamente. Na Índia, Shah Waliullah Dehlawi tentou um estilo mais conciliatório contra o sufismo e influenciou o movimento deobandi. Em resposta, o movimento barelvi foi fundado como um movimento de massas, defendendo o sufismo popular e reformando suas práticas.
O mundo muçulmano estava geralmente em declínio político a partir de 1800, especialmente em relação às potências europeias não muçulmanas. Anteriormente, no século XV, a Reconquista conseguiu acabar com a presença muçulmana na Península Ibérica. No século XIX, a Companhia Britânica das Índias Orientais anexou formalmente a dinastia mogol na Índia. Como resposta ao imperialismo ocidental, muitos intelectuais buscaram reformar o Islã. O modernismo islâmico, inicialmente rotulado pelos estudiosos ocidentais como salafista, abraçou valores e instituições modernas, como a democracia, enquanto era orientado pelas escrituras. Precursores notáveis incluem Muhammad Abduh e Jamal al-Din al-Afghani. Abul Ala Maududi ajudou a influenciar o islamismo político moderno. Semelhante à codificação contemporânea, a xaria foi pela primeira vez parcialmente codificada em lei em 1869 no código mecelle do Império Otomano.
O Império Otomano se desintegrou após a Primeira Guerra Mundial e o califado foi abolido em 1924 pelo primeiro presidente da República Turca, Mustafa Kemal Atatürk, como parte de suas reformas seculares. Os pan-islamistas tentaram unificar os muçulmanos e competiram com as crescentes forças nacionalistas, como o pan-arabismo. A Organização de Cooperação Islâmica (OIC), composta por países de maioria muçulmana, foi criada em 1969 após o incêndio da Mesquita Al-Aqsa em Jerusalém.
O contato com as nações industrializadas trouxe populações muçulmanas para novas áreas por meio da migração econômica. Muitos muçulmanos migraram como servos contratados (principalmente da Índia e da Indonésia) para o Caribe, formando a maior população muçulmana em porcentagem nas Américas. A migração da Síria e do Líbano foi o maior contribuinte para a população muçulmana na América Latina. A urbanização resultante e o aumento do comércio na África subsaariana levaram os muçulmanos a se estabelecerem em novas áreas e espalharem sua fé, provavelmente dobrando sua população muçulmana entre 1869 e 1914.
Era Contemporânea (século XX-presente)
Precursores do modernismo islâmico influenciaram movimentos políticos islâmicos como a Irmandade Muçulmana e partidos relacionados no mundo árabe, que tiveram um bom desempenho nas eleições após a Primavera Árabe, como o Jamaat-e-Islami no sul da Ásia e Partido AK, que está democraticamente no poder na Turquia há décadas. No Irã, a revolução substituiu uma monarquia secular por um Estado islâmico. Outros, como Sayyid Rashid Rida, romperam com os modernistas islâmicos e se opuseram a abraçar o que ele via como influência ocidental. Enquanto alguns eram quietistas, outros acreditavam na violência contra aqueles que se opunham a eles, até mesmo outros muçulmanos, como o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que até tentaram recriar o moderno dinar de ouro como seu sistema monetário.
Em oposição aos movimentos políticos islâmicos, na Turquia do século XX, os militares realizaram golpes para derrubar os governos islâmicos e os lenços de cabeça foram legalmente restritos, como também aconteceu na Tunísia. Em outros lugares, a autoridade religiosa foi cooptada e agora é frequentemente vista como marionetes do Estado. Por exemplo, na Arábia Saudita, o Estado monopolizou a bolsa de estudos religiosa e, no Egito, o Estado nacionalizou a Universidade de Alazar, anteriormente uma voz independente checando o poder do governo. O salafismo foi financiado no Oriente Médio por seu quietismo. A Arábia Saudita fez campanha contra os movimentos islâmicos revolucionários no Oriente Médio, em oposição ao Irã.
As minorias muçulmanas de várias etnias foram perseguidas como um grupo religioso. Isso foi realizado por forças comunistas como o Khmer Vermelho, que os viam como seu principal inimigo a ser exterminado, pois sua prática religiosa os destacava do resto da população, do Partido Comunista Chinês em Xinjiang e por forças nacionalistas, como durante o genocídio da Bósnia.
A globalização da comunicação aumentou a disseminação de informações religiosas. A adoção do hijabe tornou-se mais comum e alguns intelectuais muçulmanos estão se esforçando cada vez mais para separar as crenças bíblicas islâmicas das tradições culturais. Entre outros grupos, esse acesso à informação levou ao surgimento de pregadores populares "televangelistas", como Amr Khaled, que competem com os ulemás tradicionais em seu alcance e têm autoridade religiosa descentralizada. Interpretações mais "individualizadas" do Islã incluem notavelmente os muçulmanos liberais que tentam reconciliar as tradições religiosas com a atual governança secular e questões femininas.
Deus
A pedra basilar da fé islâmica é a crença estrita no monoteísmo. Deus é considerado único e sem igual. Cada capítulo do Alcorão (com a exceção de um) começa com a frase "Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso". Uma das passagens do Alcorão frequentemente usadas para ilustrar os atributos de Deus é a que se encontra no capítulo (sura) 59: "Ele é Deus e não há outro deus senão Ele, que conhece o invisível e o visível. Ele é o Clemente, o Misericordioso! Ele é Deus e não há outro deus senão Ele. Ele é o Soberano, o Santo, a Paz, o Fiel, o Vigilante, o Poderoso, o Forte, o Grande! Que Deus seja louvado acima dos que os homens lhe associam! Ele é Deus, o Criador, o Inovador, o Formador! Para ele os epítetos mais belos" (59, 22-24).
Os muçulmanos acreditam que a criação de tudo no universo foi pura ordem de Deus, "Seja e por isso é", e que o propósito da existência é adorar a Deus. Ele é visto como um Deus pessoal que responde sempre que uma pessoa está em necessidade ou quando clamam por seu socorro. Não há intermediários, como um clero, para entrar em contato com Deus, que afirma: "Eu sou mais perto dele do que (sua) veia jugular". A reciprocidade é mencionada no hádice: "Eu sou como o meu servo acha (espera) que sou".
Anjos
Os anjos são, segundo o islã, seres criados por Deus a partir da luz. Não possuem livre arbítrio, dedicando-se apenas a obedecer a Deus e a louvar o seu nome. Maomé nada disse sobre o sexo dos anjos, mas rejeitou a crença dos habitantes de Meca, de acordo com a qual eles seriam os filhos de Deus. Desempenham vários papéis, entre os quais o anúncio da revelação divina aos profetas; protegem os seres humanos e registram todas as suas ações. O anjo mais famoso é Gabriel, que foi o intermediário entre Deus e o profeta.
Para além dos anjos, o islamismo reconhece a existência dos jinnis, espíritos que habitam o mundo natural e que podem influenciar os acontecimentos. Ao contrário dos anjos, os jinnis possuem vontade própria; alguns são bons, mas de uma forma geral são maus. Um desses espíritos maus é Iblis (Azazel), também ele um jinn, segundo a crença islâmica, que desobedeceu a Deus e dedica-se a praticar o mal.
Livros sagrados
O preeminente texto sagrado do islamismo é o Alcorão. Os muçulmanos acreditam que os versículos do Alcorão foram revelados a Maomé por Deus, por meio do arcanjo Gabriel (Jibrīl), em várias ocasiões entre os anos 610 e 632, o ano em que o profeta morreu. Enquanto Maomé estava vivo, essas revelações foram escritas por seus companheiros, embora o principal método de transmissão fosse oralmente por meio da memorização. O Alcorão é dividido em 114 capítulos (sūrah) que combinados contêm 6.236 versos (āyāt). Os capítulos cronologicamente anteriores, revelados em Meca, tratam principalmente de tópicos espirituais, enquanto os capítulos posteriores de Medina discutem mais questões sociais e legais relevantes para a comunidade muçulmana. Os juristas muçulmanos consultam o hádice ('relatos'), ou o registro escrito da vida do profeta Maomé, tanto para complementar o Alcorão quanto para auxiliar em sua interpretação. A ciência do comentário e exegese do Alcorão é conhecida como tafsir. Além de seu significado religioso, é amplamente considerado como o melhor trabalho da literatura árabe e influenciou a arte e a língua árabe.
O islamismo também sustenta que Deus enviou revelações, chamadas wahy, a diferentes profetas inúmeras vezes ao longo da história. No entanto, o islamismo ensina que partes das escrituras reveladas anteriormente, como o Tawrat (Torá) e o Injil (Evangelho), foram distorcidas - seja na interpretação, no texto ou em ambos, enquanto o Alcorão (lit. 'Recitação') é visto como a palavra final, literal e inalterada de Deus.
Profetas
O islamismo ensina que Deus revelou a sua vontade à humanidade por meio de profetas. Existem dois tipos de profeta: os que receberam de Deus a missão de dar a conhecer aos homens a vontade divina (anbiya; singular nabi) e os que para além dessa função lhes foi entregue uma escritura revelada (rusul; singular rasul, "mensageiro"). Cada profeta foi encarregado de relembrar a uma comunidade a existência ou a unicidade de Deus, esquecida pelos homens. Para os muçulmanos, a lista dos profetas inclui Adão, Abraão (Ibraim), Moisés (Muça), Jesus (Isa) e Maomé (Muhammad), todos eles pertencentes a uma sucessão de homens guiados por Deus. Maomé é visto como o Último Mensageiro, trazendo a mensagem final de Deus a toda a humanidade sob a forma do Alcorão, sendo por isso designado como o "Selo dos Profetas". Quando Maomé começou a revelar o Alcorão, ele não acreditou que isso teria proporções mundiais, mas sim que somente reforçaria a fé no Deus.
Julgamento Final
Segundo as crenças islâmicas, o dia do Julgamento Final (Yaum al-Qiyamah) é o momento em que cada ser humano será ressuscitado e julgado na presença de Deus pelas ações que praticou. Os seres humanos livres de pecado serão enviados diretamente para o Paraíso, enquanto os pecadores devem permanecer algum tempo no Inferno, antes de poderem também entrar no Paraíso. As únicas pessoas que permanecerão para sempre no Inferno são os hipócritas religiosos, isto é, aqueles que se diziam muçulmanos, mas de fato nunca o foram. Segundo a mesma crença, a chegada do Julgamento Final será antecedida por vários sinais, como o nascimento do Sol no poente, o som de uma trombeta e o aparecimento de uma besta. De acordo com o Alcorão, o mundo não acabará verdadeiramente, mas sofrerá antes uma alteração profunda.
Predestinação
Os muçulmanos acreditam no quadar, uma palavra geralmente traduzida como "predestinação", mas cujo sentido mais preciso é "medir" ou "decidir quantidade ou qualidade". Uma vez que, para o islã, Deus foi o criador de tudo, incluindo dos seres humanos, e sendo uma das suas características a omnisciência, ele já sabia, quando procedeu à criação, as características que cada elemento da sua obra teria. Assim sendo, cada coisa que acontece a uma pessoa foi determinada por Deus. Essa crença não implica a rejeição do livre arbítrio, pois o ser humano foi criado por Deus com a faculdade da razão, pelo que pode escolher entre praticar ações positivas ou negativas.
"Islã" provem do árabe Islām, que por sua vez deriva da quarta forma verbal da raiz slm, aslama, e significa "submissão (a Alá)". Segundo o arabista e filólogo José Pedro Machado, a palavra "Islã" não teria surgido na língua portuguesa antes de 1843, ano em que aparece no capítulo IX da obra Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano.
O islamismo é descrito em árabe como um "diin", o que significa "modo de vida" e/ou "religião" e possui uma relação etimológica com outras palavras árabes como Salaam ou Shalam (Shalaam / Shalom), que significam "paz".
Muçulmano, por sua vez, deriva da palavra árabe muslim (plural, muslimún), particípio activo do verbo aslama, designando "aquele que se submete". O vocábulo pode ter penetrado no português a partir do castelhano, sendo provável que essa língua o tenha tomado do italiano ou do francês, línguas nas quais o vocábulo surge em 1619 e 1657, respectivamente (no primeiro caso como mossulmani, na obra Viaggi, de Pietro della Valle, e no segundo como mousulmans, na obra Voyages, de Le Gouz de la Boullaye).
Em textos mais antigos, os muçulmanos eram conhecidos como "maometanos", este termo tem vindo a cair em desuso porque implica, incorretamente, que os muçulmanos adoram Maomé (como, durante alguns séculos muitas personalidades medievais do Ocidente pensaram), o que torna o termo ofensivo para muitos muçulmanos. Durante a Idade Média e, por extensão, nas lendas e narrativas populares cristãs, os muçulmanos eram também designados como sarracenos.