Ásatrú que em islandês moderno significa "fé" ou "crença nos deuses" é o movimento religioso neopagão germânico moderno que busca resgatar as crenças e religiosidades pré-cristãs dos povos germânicos que habitavam países do norte europeu, em especial a Islândia, onde foram preservados os poemas da Edda em verso, e o manual de poesia islandesa medieval conhecido como Edda em Prosa, nos quais parte da mitologia germânica tardia da Escandinávia e Islândia foi preservada. Tais livros são as principais fontes dos praticantes da Ásatrú na Islândia.
A origem do Ásatrú reside no Romantismo do final do século XIX/começo do século XX que glorificava as sociedades pré-cristãs da Europa Germânica. Grupos "völkisch" (percepção étnica sobre a fé) que veneravam divindades destas sociedades apareceram na Alemanha e na Áustria durante as décadas de 1900/1910, apesar de muitos terem-se dissolvido logo após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Nos anos de 1970, novos grupos Ásatrú se estabeleceram na Europa e América do Norte, desenvolvendo-se em organizações formais. Uma divisão central do movimento Heathen/Ásatrú surgiu à volta da questão da raça. Grupos mais antigos adotaram uma atitude racialista (völkisch) ao ver o movimento como uma religião étnica ou racial inerente aos povos germânicos nativos. Eles acreditam que a crença dever ser reservada a pessoas brancas, particularmente de descendência norte-européia, e frequentemente combinam a religião com perspectivas de extrema-direita e supremacistas brancas. Em contrapartida, outra grande parte dos Ásatrú adotam uma perspectiva mais "universalista", sustentando de que a religião é aberta para todos/as, a despeito de origem étnica ou racial.
O movimento cultural e religioso, Ásatrú é um fenômeno recente. O resgate de práticas religiosas de povos germânicos pré-cristãos teve início durante o século XIX, alinhado ao fenômeno dos grupos esotéricos e ordens iniciáticas europeias. Junto do romantismo alemão, no século XIX houve um esforço de vários acadêmicos para preservar mitos e lendas do folclore nativo que começavam a se perder, além da tradução para línguas vernáculas de textos antigos que retratavam aspectos das crenças pré-cristãs entre os povos de origem germânica por toda Europa setentrional.[3] Entre vários que se empenharam nessas tarefas, destacam-se os irmãos Grimm na Alemanha e o inglês Benjamin Thorpe.
Por outro lado, o romantismo também interessou diversos místicos e ocultistas como Guido von List, que, à luz do pseudo-cientificismo, misticismo, racismo e revolta contra o iluminismo francês fazem as primeiras tentativas de reavivamento da religião dos povos germânicos da Alemanha, embora as Eddas e Sagas medievais do norte da Europa tenham desempenhado grande influência.Nesse momento inicial, o misticismo arianista pouco se diferenciava de cultos maçônicos e de fraternidades secretas que os influenciavam diretamente.
Todavia com os movimentos contraculturais e a emergência da Wicca nos anos 60, a busca por espiritualidades alternativas aumentou, bem como o interesse em antigas religiões, e gradativamente grupos ao redor do mundo passam a se dedicar a reviver a antiga religião nórdica, de forma bastante diferente da que aconteceu no fim do século XIX e começo do século XX sob o romantismo.[5]
No início da década de 1970, as organizações pagãs germânicas surgiram no Reino Unido, Estados Unidos, e na Islândia, independentemente uns dos outros. A Associação Ásatrú (Ásatrúarfélag) foi fundada na Islândia por Sveinbjörn Beinteinsson, um fazendeiro, escaldo (poeta) e estudioso islandês, no Primeiro Dia do Verão de 1972, que inicialmente tinha 12 membros, tendo conseguido o reconhecimento como organização religiosa registrada em 1973. A Ásatrú é uma religião oficialmente reconhecida pelos governos da Islândia (desde 1973), Dinamarca (desde 2003) e Noruega. Ela foi a primeira organização a usar a expressão "Ásatrú" para o reavivamento religioso das tradições islandesas. Beinteinsson serviu como Allsherjargoði (sumo sacerdote) até sua morte em 1993, quando foi sucedido por Jormundur Ingi Hansen. Como o grupo se expandiu em tamanho, a liderança de Hansen causou cismas, e para manter a unidade do movimento, ele deixou o cargo e foi substituído por Hilmar Orn Hilmarsson em 2003, época em que ele tinha acumulado 777 membros e desempenhou um papel visível na sociedade islandesa. A partir de meados da década de 1990, a internet ajudou em muito a propagação de neopaganismo germânico. A mesma década também viu aumentar o envolvimento dos neopagãos com a metodologia reconstructionista. O governo dos Estados Unidos não endossa ou reconhece oficialmente qualquer grupo religioso; todavia, numerosos grupos Ásatrú têm sido reconhecidos com o status de organização sem fins lucrativos desde os anos 1970.
É importante notar que há uma gama de vertentes do reconstrucionismo pagão germânico e nórdico como: theodismo, odinismo, Fyrnsidu, Forn Siðr e Forn Sed. Eles podem ter pontos de contato com a Ásatrú, mas ainda assim possuem diferenças metodológicas tanto em relação a como consultar fontes históricas e usar tais informações na prática, até a forma final da religião e seus objetivos e influências externas.
A Ásatrú islandesa, todavia, é muito mais um movimento com uma característica cultural, espiritual e religiosa, prezando muito mais pela ética que pelo racialismo, sendo a organização marcada inclusive pela polêmica do atual sumo-sacerdote (allsherjargoði), Hilmar Örn Hilmarsson da Ásatrúarfélag ter se pronunciado como a seguir:
Eu já disse que eu não acredito em um homem de um olho só, montando um cavalo de oito patas, e alguns consideram isso blasfêmia. Há sempre pessoas que querem coisas para serem gravadas em pedras. Mas a Edda Poética é fundamentalmente sobre como a vida muda, e como você deve estar preparado para responder às mudanças que ela traz.
Embora o termo Ásatrú originalmente se referisse especificamente aos partidários islandeses da religião, neopagãos germânicos e grupos reconstrucionistas têm se identificado majoritariamente como Ásatrú, particularmente nos Estados Unidos. Neste sentido mais amplo, o termo Ásatrú é usado como um sinônimo de neopaganismo germânico, conjuntamente com os termos odinismo, Forn Sed e Heathenry.
Muitos membros da Ásatrú e do neo-paganismo germânico se intitulam também de reconstrucionistas, muitas vezes recorrendo a estudos e pesquisas acadêmicas sobre a antiga religiosidade dos povos germânicos. Especialmente os atuais praticantes dos países escandinavos, como a Noruega, mantém algum tipo de vínculo com as pesquisas historiográficas sobre religiosidade nórdica da Era Viquingue.
No Brasil, apesar de sem ligação direta com a Ásatrú islandesa, diversos grupos, buscam nela exemplo para desenvolver suas práticas, promovendo mesas redondas via internet, para além de suas atividades na vida real, para auxiliar a compreensão dos leigos no assunto sobre aspectos da religião.
A palavra islandesa áss (plural æsir) significa simplesmente "deus" ou "divindade".[8] Aesir e Vanir são, respectivamente, os dois maiores grupos de divindades nórdicas que ainda conhecemos, que a princípio, travaram uma guerra um contra o outro. Embora tal divisão não seja encontrada entre outros povos germânicos no continente ou Inglaterra, o que torna tal divisão ponto de dúvida se teria sido obra do imaginário tardio ou de Snorri Sturluson.[9] É conhecido através da narrativa poética Völuspá ("Profecia da Vidente"), que diz:
"Sua lança havia Óðinn jogado sobre os anfitriões
O primeiro dos combates, foi assim no mundo
foi quebrada em batalha a fortificação de Asgard
lutando com os Vanir no campo de batalha" [10].
Ao final de tal guerra ambos os clãs de deuses haviam decidido permanecer em paz e trocado reféns entre si. Tal passagem, segundo Mathias Pietsch "lembra um tempo da pré-história nórdica (talvez dois mil anos antes de Cristo) quando dois cultos lutaram pelo domínio na Escandinávia. Um grupo teve a supremacia [...], e os dois cultos se uniram no passado".[11] Tal hipótese, todavia, não é consenso entre todos os praticantes da religião, como a maioria dos elementos de uma religião revivida e não centralizada e não dogmatizada, para boa parte dos que participam dela. [carece de fontes] Algo importante a se notar é que essas divindades não são facilmente encaixáveis em um panteão, como nas mitologias mediterrâneas onde cada divindade tendo uma função definida. As divindades eram provavelmente cultuadas de forma henoteísta, onde um deus era cultuado em determinada região, diferente do politeísmo clássico de Roma, por exemplo. Apenas eventos maiores que reuniam todo um país ou região era onde se encontravam evidências de mais de uma divindade sendo cultuada. Diferente dos monoteísmos, tal atitude não gerava conflitos religiosos entre os cultuadores de diferentes divindades.[12] Todavia, no neopaganismo moderno a grande maioria dos praticantes da Ásatrú cultuam mais de uma divindade.
Blót
O rito religioso mais importante, o blót, constitui em um ritual em que as oferendas são deixadas aos deuses, normalmente ocorre ao ar livre, e geralmente consiste em ofertas de comidas, hidromel e outras bebidas. Esse rito, normalmente começa com a consagração do local, após isso, os deuses são invocados através de poemas ou discursos iniciais, e os pedidos são expressos por sua ajuda sendo feitos por cada um dos participantes. O goði (sacerdote), usa um ramo de uma árvore verde para polvilhar hidromel em ambas as estátuas das divindades, em alguns casos, e os participantes reunidos. Em um blót podem ser recitado poemas, danças, entre outras atividades que são escolhidas pelos membros do grupo, que por final são feitos os discursos finais e são deixadas as oferendas que podem ser jogadas em uma fogueira, deixados em uma tigela ou sobre a terra. São importantes também oferendas aos Landvættir (espíritos da terra). Para cada blót em geral é usada uma data especifica onde um evento da estação, evento astronômico, deus ou seres serão celebrados no dia do rito.
Antigamente o blót, eram realizados com sacrifícios de animais, feitos para agradecer aos deuses e ganhar seus favores. Atualmente grupos de pagãos modernos, podem ou não realizar esse ato, mas não existe nenhum consenso sobre sua validade nos dias atuais ou não.
Symbel
Symbel (inglês antigo), também escrito sumbl (nórdico antigo), é uma cerimônia de beber em ritual para os deuses. É realizado com um copo normal ou chifre de beber (drinking horn), em que este é cheio com hidromel ou cerveja e passado ao redor do grupo. Uma série de brindes podem ser feitos, geralmente, para os deuses, ancestrais, ou heróis da religião. Os brindes variam por grupo, e alguns grupos fazem uma distinção entre um symbel "regular" e um symbel "alto", que têm diferentes níveis de formalidade, e regras diferentes durante o consumo. Os participantes também podem proclamar seus próprios atos, fazer juramentos ou promessas de ações futuras. Palavras faladas durante o symbel são considerados com cuidado e qualquer juramento feito é considerados sagrados, tornando-se parte do destino daqueles indivíduos, e podendo afetar positiva ou negativamente a sua wyrd e sorte.
Os conceitos de pós-vida no neopaganismo germânico contemporâneo são bastante pessoais e diversificados. Por isso é importante notar que existem vários backgrounds religiosos dos quais os praticantes vieram, e que muitas vezes influenciam suas percepções dentro da Ásatrú.
Pós-vida nas fontes históricas
É necessário apontar que as ideias de pós-vida variavam de acordo com o povo, momento histórico e região, dos antigos povos germânicos. Além disso, existe um grande debate em torno da cristianização dessas ideias, e bem como a escassez de descrições sobre o assunto, sendo que os registros arqueológicos são de extrema importância para isso.
Túmulos e montes
Todavia, é provável que a crença mais comum era que o local de habitação da maioria dos mortos era no seu túmulo, o que, aliás, era muito importante, tendo em vista que os montes nos quais enterravam-se os parentes eram como que um "portal" de acesso a eles. É possível que o próprio Hel como reino do submundo fosse entendido como acessado por mortos e vivos através do túmulo material. O Helgafjel era acreditado ser um monte para onde os que trazem benefícios políticos e sociais para o clã de uma região específica na Islândia iriam. Isso corrobora com outros casos onde mortos honrados habitavam montes onde haviam sido enterrados e recebiam oferendas.
Hel
Além disso, haviam os destinos para além de Midgard: o Hel, que não era de forma alguma um local ruim, (regido por Hela), para os que morrem de causas naturais, possivelmente o destino da maioria das pessoas, tanto na época antiga quanto hoje.
Náströnd
Os que agem por egoísmo, quebrando a palavra, fazendo atos de traição, assim prejudicando a vida coletiva, iriam para o Náströnd (Náströnð) local afastado em Hel, onde eram mastigados pela serpente Níðhöggr.
Salão de Aegir e Rán
O salão de Aegir e Rán, para os mortos afogados e em alto mar.
Salões de Asgard
E, por fim, os salões de Asgaard: o Bílskirnir (salão de Þórr,) para os simples trabalhadores que eram a grande maioria sendo os e Thralls (escravos), e a companhia de Gefjon, para as moças que morreram virgens, o Valhöll (Regido por Óðinn) e o Sessrúmnir, em Fólkvangr (Regido por Freyja), ambos para os guerreiros mortos em batalhas, o qual muito se questiona na atualidade senão seria algo mais poético do que religioso, de fato.
Álfar e dísir
Ainda é de grande importância a teoria apontada por Hilda Ellis Davidson que haviam ancestrais que tornavam-se Álfar, que além de habitantes de Álfheim, também são seres regidos por Frey, ligados ao cultivo e trabalho no campo, bem como à fertilidade da Terra (Jörð).
Noções de pós-vida nos dias atuais
Graças ao interesse da indústria do entretenimento vários seriados e filmes tem sido feitos sobre os viquingues, e comumente estes servem de porta de entrada para a religião Ásatrú, apesar de muitas vezes não denotarem com tanta fidelidade os períodos históricos que supostamente representam. Graças a isso, a grande maioria dos pagãos atuais acreditam que Valhöll é o único local para onde as almas vão, e crenças em reencarnação, das quais não sobram provas entre povos nórdicos ou mesmo os germânicos como um todo, são bastante comuns graças à influência das outras formas de espiritualidade moderna e movimentos espirituais da Nova Era. Não é incomum a noção de patronato, da qual também é fruto de grande influência de outros caminhos espirituais na Ásatrú. Todavia, muitos pagãos também voltam-se para uma percepção mais histórica da vida após a morte no paganismo nórdico.